domingo, 16 de outubro de 2011

Nó na madeira


Seu Pituca não saía do quarto há dias. Sempre compunha em clausura. Alegava que a inspiração não precisa de paisagem, nem companhia. Munido de cavaquinho e lembranças, ensaiava acordes que logo em seguida dissipavam com a fumaça do cigarro de palha que decorava o canto de sua boca.

Rosaura, já habituada à rotina do velho companheiro, anunciava protocolarmente as refeições da casa, mas nesses períodos não alimentava esperanças de compartilhar seu cotidiano, muito menos suas amarguras. Seu Pituca deixava seu refúgio quando o corpo pedia. E pedia cada vez menos.

A casa era modesta. Não havia falta nem fartura. Os móveis já haviam assumido a ergonomia necessária para garantir o aconchego dos que ali viviam, inclusive dos amigos mais frequentes.  Cada porta rangia num acorde afinado ao estágio de sua ferrugem. Da cozinha vinha o brugurundum das colheradas contra as panelas cheias das delícias de Rosaura.

 Seu Pituca já havia cantado a beleza de suas dores em poesia. Parecia saudar a melancolia, que em retribuição, punha um sorriso matreiro no rosto do sambista. Mesmo sabendo que a dor do sambista é incurável, ainda assim a contemplava como se fosse a quintessência da beleza.

Acorde pra cá, terça-feira pra lá, acorde acolá, sexta-feira se vai. O domingo já vem. O samba não.

Culpados não faltam. Ora a madrugada silenciosa, ora a chuva e sua cônjuge falta de luz. Experimenta um Lá, troca por Mi, empaca em Dó. Vai à fá, regride em ré. A vida antes sustenida, tropeça em bequadro.

Da fumaça só fica o cheiro, impregnado nas paredes e cortinas. Se o samba ninguém cantou,  ninguém ouviu. Já a dor, passou a existir. Em uma outra casa modesta, já se pode ouvir os primeiros acordes de um outro cavaquinho.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sobre escrivaninhas e escadarias


O retrato de sua amada Zélia ainda repousava sobre a escrivaninha de cerejeira, posicionada sob a janela do escritório, com vista desimpedida para a cidade.

Algumas páginas amareladas contendo versos sobre linhas descomprometidas ainda aguardavam seu desfecho sob a bola de vidro que repousava como guardiã daqueles fragmentos de história. A velha caneta tinteiro ainda aguardava ansiosamente pelos punhos inquietos de Jayme, mas a tinta, seca há tempos, apenas borrava o fundo do frasco.

Enquanto a fotografia permanecesse à sua frente, nenhuma palavra seria pronunciada, tão menos escrita.

Zélia, sentada nas escadarias da Igreja, no frescor de seus quinze anos, ao sorrir dizia tudo que Jayme queria escutar, mesmo que inaudível em preto e branco aos incautos.

Jayme sabia de Zélia apenas o suficiente para que aquele momento eternizado em papel nunca perdesse o toque quase libidinoso de seus lábios. A suavidade de Zélia desamparava o homem que se tornava um menino ao deitar naquele colo macio, recebendo dos hábeis dedos de sua amada as carícias que separavam cada fio de seus cabelos.

Foram poucos os momentos de presença. Muito mais intensos do que várias existências alheias vividas em gozo efêmero.

Jayme não era presente, mas onipresente onde quer que Zélia em seu pensamento se materializasse. Teriam filhos, formariam uma grande família. Viriam os netos, quiçá bisnetos.

Jamais acreditou que ela se ausentaria de sua vida por uma razão que não fosse irremediável. Irremediável para Jayme só a morte. Para o resto, onde os planos não podem prover, faça-se o sonho.

Abdicou de quaisquer planos, para não se escravizar em expectativas. Não nascera para mártir. Suas aspirações de tão humildes, o acanhavam perante os amigos. Não estocava alimentos. Trazia apenas o essencial para o dia. Fazia a feira sete vezes por semana, duas vezes ao dia, em quatorze lugares diferentes. Acreditava que assim aumentaria suas chances de encontrá-la.

Piegas, bêbado, pândego, digno de pena. Restava-lhe a escrivaninha, as folhas amareladas, a caneta, o frasco com tinta seca e a imagem anacrônica de uma Zélia que teimava em existir em seus pensamentos.

Quando por debaixo da porta ouviu o deslizar inconfundível do envelope pardo, levantando a poeira que soterrava o chão de sua casa.

Leu seu nome escrito com letras desenhadas por mãos suaves. Mãos femininas, de certo. Abaixar para apanhar o envelope durou exatamente trinta e cinco suposições diferentes de remetentes que sempre convergiam para um, ou melhor dizendo uma. A uma.

Se virasse o envelope poderia se deparar com aquele nome e então teria que abdicar de seus pertences, sua rotina, sua vida.

Chegou a desistir, mas quem seria capaz de outorgar a si mesmo a condição de covarde-mór perante a possibilidade da felicidade desejada? Quem constrói um panteão deve assumir a condição que lhe cabe, não de rei, mas de curador de suas premissas.

Assim tomou o envelope em suas mãos. Ao virá-lo lia-se um certo logradouro. Havia um nome talvez, mas o logradouro saltou-lhe aos olhos. Dirigiu-se à escrivaninha. Empunhou sua caneta. Cuspiu no frasco de tinta e por milagre o que era fosco pôs-se a brilhar. À primeira página deu o tratamento de uma rainha. Teceu todos os sentimentos que dispunha para formar o tecido que agora lhe vestia o espírito.

Arrebatado pelas linhas que via formar à sua frente, foi se distanciando e cantarolava, ora gargalhava, voltava a cantarolar, sorria, finalmente estabelecendo com a fotografia uma cumplicidade  que sempre desejara ter em corpo presente.

Por seus dedos passavam gracejos, reticências, rimas e versos obsequiosos. Não omitiu um termo sequer que não devesse ali constar.

Passou dias a redigir. Ao final de cada missiva, rasgava e recomeçava do zero. Sentia um prazer inesgotável em recriar. Ficaria ali por todas as encarnações que tivesse direito a se ocupar daquela tarefa por tanto tempo desejada.

Foram tantos recomeços que os papéis se esgotaram. Raspou o frasco de tinta até o ponto em que a última gota de saliva nada mais pudesse fazer. Cogitou escrever com o próprio sangue, mas não plagiaria um mero marquês libertino.

Com a ponta seca da caneta lanhou a carne da cerejeira, lavrando sua resposta em caráter irrevogável.

Sorriu ,enfim, à fotografia, com a sensação do dever quase cumprido.

Zélia nunca esperou a resposta. Esperava por Jayme, na escadaria da igreja, com o mesmo sorriso inconfundível.

Ávida. Linda. Suave. 

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Beira rio


Trazia consigo um banquinho de madeira que colocava à beira do rio, mais ou menos na mesma posição, a alguns centímetros da água.

Não pescava nem atirava pedras para não interferir no curso do querido companheiro. Ali, apenas depositava suas esperanças e as via fluir leito abaixo para que um dia, quem sabe, servisse de mar para outros menos afortunados.

Cumpria com sua rotina com disciplina invejável e com o rigor dos mais sérios dos compromissos.

Até que um dia se viu abandonado pelo nobre amigo, sem aviso prévio, sem argumentação.

Não abdicou do direito de estar ali, quando o desejado retorno se materializasse.

Com as pernas esticadas, repousava os calcanhares na lama quase seca do antigo leito.

Assim ficou até que o mato surgisse por entre as fendas ressecadas do chão torrado.

Por fim o céu tornou a escurecer. Os roncos ecoavam pelo vale. As pedras talhadas por carícias de águas antigas exibiam o musgo marrom que já sentiam os primeiros respingos.

A princípio tímido e fino, mas reclamando a imponência foi reganhando seu curso, arrebatando folhas e galhos secos, separando as margens, fluindo para o reencontro.   

Porém, quando retornou já não era o mesmo rio, tampouco as esperanças pertenciam ao mesmo homem.

 Prometeu a si mesmo nunca mais se ausentar.

Novo, purificado. Ora raso, ora profundo. Ruma por que tem que seguir adiante. Desemboca onde será bebido. Por gargantas sedentas ávidas por alívio. Por paisagens carentes de tinta. Por criaturas munidas de saudades.


segunda-feira, 4 de julho de 2011

Adolescentes



Por que as pernas bambeam

Por que o ar desaparece

Por que os os rostos queimam

Por que a saudade reaquece

Por que os dedos se calam

Por que a voz emudece

Por que as roupas molham

Por que a pele não esquece

Por que os hormônios exalam

Por que a vontade cresce

Por que tudo que desejam

É que o tudo jamais cesse.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A Sociedade Secreta dos Ignóbeis


Milenar. Alguns dizem que sempre existiu, mesmo que desorganizada. Com certeza eterna.

Não possui uma sede. Não se lavra em cartório algum. Ela simplesmente acontece quando dois ou mais membros decidem reunir-se para confabular. Obviamente há as convenções cerimoniais, e os ritos aprendidos quase que por osmose.

Seu fundador é o Exmo. Orgulho, casado com a Exma. Vaidade. É tudo que se sabe a respeito da origem da seita secreta, que a cada segundo ganha novos adeptos mundo a fora.

Sua unicidade é perpetuada pelo reconhecimento automático de seus membros e a submissão inquestionável à hierarquia estabelecida.

As informações que vos apresento não me custaram muito esforço. Através da Exma. Propina e com a colaboração voluntária da Exma. Fofoca e Exma. Intriga, obtive vasto material que sou agora obrigado a selecionar, a fim de respeitar os limites de espaço que aqui enfrento.

Relatam que em grandes reuniões a Exma. Falsidade é quem dá as “boas-vindas” aos participantes. Na passagem transcrita por mim, em áudio obtido com a ajuda da Exma. Maracutaia podemos ter uma idéia de como as identidades são levadas a sério:

EF: Que prazer em vê-lo Exmo. Imbecil!

EI: Faço minhas suas palavras! O prazer é todo meu!

EF: Imbecil. (quase inaudível).

Em outra conversa já no salão principal, flagramos uma negociata entre o Exmo. Conluio e seu parceiro Exmo. Malandro, tratando de suas próximas investidas. A qualidade do áudio ficou prejudicada pelo fato de que o Exmo Malandro sempre tem um comparça, o Exmo. Veiaco por perto, o que obrigou a nossa fonte a manter uma distância maior do que a ideal, mas o resumo da transcrição é confiável:

EC: Você consegue arranjar uns biscoitos até terça de manhã? A turma tá me pressionando lá. Eles estão com fome.

EM: Consigo sim, isso aí é tranquilo.

(“Biscoito” é o termo usado para o desvio de verba usada na contratação dos buffets servidos nas reuniões da Sociedade Secreta.)

EC: Do jeito que você tá dizendo é garantido.

EM: É garantido. O homem lá joga aqui com a gente. Tá na diretoria atual, entendeu?

EC: Então tá bom. Eu vou aguardar.

Acredita-se que o tal homem seja o Exmo. Traíra Sutil, tesoureiro principal da seita. O subtítulo na Sociedade Secreta dos Ignóbeis é fato muito comum, pois a recorrência dos títulos é considerável devido ao extenso quadro de membros. Outra razão que explica a ocorrência de subtítulos ou títulos secundários é o caráter particularista dos membros, que formam espécies de famílias ou clãs dentro da sociedade secreta e conseguem assim perpetuar seus privilégios.

Há títulos que chamam atenção como Exmo. Espólio Desvio, Exmo. Sonegador Assumido e Exmo. Nojo de Povo, este último exercendo cargo estratégico na hierarquia, gozando de muito prestígio entre os delegados votantes. Aliás, os pleitos para definição de cargos são mera formalidade, mas isso não abala, ao contrário afirma a crença na estrutura da seita.

Em depoimento franco, um dos delegados, o Exmo. Pulha Calhorda defende veementemente o atual modelo de votação:

EPC: É inconcebível qualquer outro modelo que não seja este vigente, pois os delegados são os únicos membros com o conhecimento necessário das necessidades da Sociedade Secreta dos Ignóbeis.

Somente os delegados podem propor mudanças nesse sistema. Houve uma tentativa por parte de um delegado conhecido apenas por “Trouxa” de mudar o sistema, mas o projeto não foi sequer levado à votação e o membro foi permanentemente excluído do quadro de delegados, sendo despromovido ao quadro de contribuinte pleno, ou seja, aquele que paga com acréscimo de 10% por já ter feito parte do colegiado.

 Vale destacar que somente representantes masculinos fazem parte do colegiado. As representantes femininas ocupam no máximo funções complementares. O mais alto cargo obtido por uma representante feminina até hoje é o da Exma. Burocracia, que atua como agente infiltrada em organizações inimigas.  

Se você deseja fazer parte da Sociedade Secreta dos Ignóbeis, precisará submeter-se a um tutorial de uma semana, com investimento relativamente baixo. Adquira seu kit nas bancas de jornais (jornais de grande circulação e revistas de títulos imperativos). Complemente com recursos áudiovisuais através dos telejornais diários (todas as edições são obrigatórias) das principais emissoras de TV e rádio (as consideradas oficiais em termos de formação de opinião). Talk shows, reality shows e seriados enlatados são considerados como atividades complementares, assim como comédia-em-pé.

O seu certificado de membro será emitido somente após o pagamento da matrícula e as mensalidades poderão ser pagas por boleto bancário.

Mais informações acesse www.sociedadesecretadosignobeis.com  

Clube das Virtudes


Fundado em nove de Agosto de 1948, o Clube das Virtudes acaba de ser reconhecido mundialmente pelos serviços prestados à humanidade. Entretanto, apesar de sua fama internacional, continua mantendo o status de grupo mais seleto que se tem noticia.

Motivadas pelo fim da Segunda Guerra Mundial e orientadas pela Declaração Universal do Direitos  Humanos, cinco senhoras distintas, que nutriam uma relação de admiração e respeito mútuos, apesar da pouca convivência pessoal, passaram a se reunir com certa frequência para discutir questões relativas a bem estar comum, cidadania e garantia de direitos, além de coordenarem ações que promovessem a idéia de um mundo melhor, mais justo, menos desigual.

Os nomes das distintas senhoras não serão revelados por um motivo simples. Consta no estatuto do Clube das Virtudes, parágrafo dois que:

Os membros serão conhecidos e tratados pelo nome de suas virtudes, ficando assim estabelecido que o tratamento pelo nome próprio somente será permitido em situações particulares que não envolvam o nome da entidade.

Portanto, assinaram a primeira ata Sra. Esperança, Sra. Liberdade, Sra. Justiça, Sra. Verdade e Sra. Ética.

Havia um rígido critério para a escolha dos nomes dos membros, sendo a observação mútua e constante dos desígnios de cada virtude o principal de todos. Somente após inúmeros relatórios, debates e consenso absoluto, os nomes eram conferidos.

As intervenções na sociedade repercutiam de forma a atrair muitos candidatos a membros, em sua maioria oportunistas que desejavam apenas um retoque em suas reputações desgastadas. Porém, a necessidade de ampliar os efeitos das ações promovidas, a ponto de universalizá-los, fez com que novos membros fossem recrutados, sendo submetidos a rigoroso escrutínio moral, para então receber um título provisório de Membro colaborador, ou como eram informalmente tratados por Os Humildes.

Membros importantes foram reconhecidos como a Sra. Honestidade, Sra. Paciência, a Sra. Generosidade e a Sra. Confiança. O primeiro representante masculino a receber o status de membro permanente foi o Sr. Respeito, casado com a Sra. Dignidade, pais da mais jovem representante, mas não menos importante, Sra. Democracia.

Obviamente, o Clube das Virtudes, por mais que ostentasse uma criteriosa constituição, sofreu inúmeras tentativas de sabotagem, algumas com efeitos desastrosos, como no caso da Sra. Burocracia. Com grande poder de persuasão, seus projetos eram propostos com o claro intuito de tornar mais difícil a execução. Com o respaldo da Sra. Auditoria, chegaram a praticamente imobilizar o clube, mesmo nas tarefas mais simples. Por sugestão da Sra. Generosidade, com o apoio da Sra. Coerência, foram relegadas às atividades menos estratégicas.

Com tantos anos de atuação e inúmeras contribuições para o mundo atual, O Clube da Virtude ainda é visto como uma entidade hermética e elitista, sobretudo por aqueles que foram Humildes, mas não o suficiente para obter a credencial definitiva e também pelos incautos, atraídos pelo cheiro mofado de papel gasto.

Se você estiver interessado em se tornar um membro do Clube da Virtude é necessário aguardar que que sua necessidade de atendimento venha de encontro aos projetos em execução, para então de acordo com sua atitude ao receber o benefício, merecer uma indicação de um dos membros definitivos.

Importante lembrar que necessidades individuais só serão consideradas em casos muito especiais. Portanto, para que o atendimento seja feito, é fundamental organizar-se coletivamente e apresentar um requerimento à Sra. Coerência, que analisará os casos de acordo com sua urgência.

   Mais informações acesse www.clubedavirtude.org

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Tateando o cais do porto



Os piados incessantes que ouvimos são de mães que buscam o sustento da prole faminta.
Elas devem se apressar pois logo não haverá espaço para pescar e seus piados só serão ouvidos ao longe, com muito atraso.
O quê veio buscar o amigo que não mais encontra?
Teria aquele capitão levado o cheirinho de orquídeas para depois dos ventos?
Deve estar pensando que assim termina a história e desejando que a água esteja gelada e profunda.
Toda desesperança começa e termina na presunção da realidade.

Se eu fosse mais jovem o perseguiria a fim de evitar uma tragédia inútil, mas ainda posso lhe oferecer meus ouvidos e minha imaginação.
Eu prometo narrar teu sacrifício a todos que quiserem ouvir. Direi que gritou mais alto seu nome do que o retumbar ensuredecedor dos porões que de madrugada sabotam meu sono.
Contarei teus passos apressados até mil, incluindo os que não te levariam a lugar algum.
Darei ao amigo um nome digno do maior dos heróis e sua dor será sentida até nos confins das almas mais indiferentes. A ninguém será concedido o direito à zombaria e sua memória comigo estará mais preservada do que numa lápide fria e muda.
Será conhecido em todas as línguas que por aqui passarem e sua epopéia viajará por tantas águas que quando aqui voltar terá se tornado infinitamente maior do que na sua partida.
Ela enfim ouvirá e voltará para buscar vestígios de sua saudade. Virá a mim, certa de que saberei de algo que as autoridades apenas suspeitaram. E por ter os últimos ouvidos de tua existência, serei o guardião do teu segredo e só o revelarei quando ela finalmente me persuadir.
Porém asseguro-lhe que um simples pedido não bastará.
Perdão, ainda que sincero, será insuficiente. De minha parte não terei pena nem de ti nem dela.  A pena é o sentimento daqueles que julgam com cores e formas e que por isso desconhecem os pormenores do mundo.
Deverá tocar minhas mãos. Estas sim, dignas de credibilidade, pois conhecem as coisas por vivas ou não.
Em suas mãos quero sentir a umidade salgada, o tremor invernal e a leveza da sinceridade.
Seria assim tua redenção, ainda que em relativa paz o amigo repouse.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eugênio e Agenor

O recipiente translúcido repousava sobre a mesa. Sob o olhar atônito de Eugênio, Agenor depositava no recipiente a água fresca que trouxera em uma jarra cheia, quatro vezes maior do que o recipiente. Eugênio se inquietava com aquela desproporção, mas era incapaz de evitar o fluxo. Para cada água que entrava no recipiente outras mil saíam. Excitado, Agenor observava que a água produzia formas variadas incontroláveis sobre a superfície lisa escura. Dava gargalhadas soluçadas a cada nova figura que surgia. Bruxas narigudas, cachorros pulguentos, mãos de sete dedos, galhos esqueléticos e bocarras com presas gigantescas. Foi quando, enfim, percebeu a presença de Eugênio, contorcido e quase imóvel senão pelo lento abrir e fechar de suas brânquias. Uma pergunta reverberava incessantemente apenas aos ouvidos quase virgens de Agenor:

- Eugênio, o que foi que te fiz?

terça-feira, 19 de abril de 2011

O mundo dos encarcerados


A descoberta do fogo, tão enaltecida e romantizada, ofusca uma crítica incomum e necessária: a invenção das portas. O que já se consumiu de madeira e esforços humanos é incalculável. E tudo isso para que possamos usufruir da privação das pessoas de acessar o ambiente cerrado. Diante de uma porta trancada cresce a tentação da chave, motivada pela curiosidade e desejo de pertencer.  Tentação inútil se já temos o fogo.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A clausura do sem-povo



                                                                                             Fotografia: Lisandra Arantes

Foi hoje cedo que abriu sua janela e deu de cara com o povo. Se a mantivesse fechada não teria visto povo de gravata, de marmita, de bicicleta, de motorista particular, povo com povo na barriga. Tinha povo que dormia sob a marquise, que se bronzeava na areia, que falava ao telefone. Tinha um povo que descia do morro e que no bar da esquina tomava cafezinho com pão quente na chapa. Tinha outro povo que chegava ao morro vindo não se sabe ao certo de que samba, mas que era feliz, assim como todos os outros, que à sua maneira se sabiam povo do mesmo povão que juntos formam uma nação inseparável, nem sempre reconhecida, posto que nem sempre vista pelos olhos da decência, não menos digna de respeito do que qualquer outro povo. Não muito à vontade, banhado em perfume barato, foi deixando-se misturar. Permaneceu em sua janela até que alguém o pudesse ver. Ao ser avistado, percebeu que ao povo não merecia pertencer. Fechou para sempre a maldita janela para enfim viver como povo de um homem só.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Brasil, capital Brasileiro



Meu corpo é estrada aos que vão

Que levam mais que vontade, a convicção

Que renasce por que não há milagre maior do que o do ser que se liberta

Que se realiza transformado naquilo que nascera pra ser

E por força da força, esquecera de desejar.

Eu sou o meu verbo, eu sou a canção.

Eu tenho o mistério, a graça, a justiça

Me desfaço da preguiça, da opressão

Encarno meus ancestrais, de todas as raças, de todas as fés

Certifico-me que da cabeça aos pés

Só vejo Brasil.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Anti-guerra


Quem se importará se por acaso eu assassinar a verdade em nome dos meus desejos ocultos?

Quem haverá de questionar um decrépito profeta que não deposita nas próprias palavras uma fé digna de ser celebrada?

Por acaso alguém haverá de desistir de ludibriar os olhos do cego quando o mais racional seria fazê-lo ver?

E o que me dirá aquele que jamais se defrontou com suas vicissitudes e num ato de extrema covardia, brada aos quatro ventos os nortes que devemos perseguir?

Quem entre nós arrefeceu as paixões?

Quais de nós não teme e por temer deixou de gozar?

É que o gozo fácil está ali. Tem hora marcada. Preço baixo. Cores vibrantes. Aroma fresco. E sabor de libertinagem.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Sobre ontem


Flores,

Havia muitas, sempre houve.

As paredes é que foram erguidas em volta do jardim.

Os galhos das árvores que hoje se atrevem a fugir para rua,

Logo recebem a os cumprimentos da serra

Por aqui passavam os colegiais e os casais.

Às vezes os confundíamos,

Eram crianças com seus livros,

Eram homens e mulheres de corpos entrelaçados.

Hoje são seres libertos,

Ocupados e preocupados.

Nunca olham ao seu redor.

Só os interessa matar a sede.

Nos tornaram invisíveis e remotos,

Elementos de paisagem bucólica.

Nostalgia que faz suspirar,

Que se eterniza com prata,

E repousa num fundo de armário qualquer.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Adamas



Oriundo do carbono em sua pureza singular.

O indomável, o invencível.

Brilho de intensa vida, transparência inconfundível.

Cristaliza no sistema cúbico ou regular,

na fase ortomagmática,

à altas pressões e temperaturas.

Pobre de quem o conserva na forma estática.

Feliz de quem bebe de suas conjecturas.

Não pertence a mim, não é deste mundo,

É do universo plural, que não se findará.

E por ser do carbono oriundo,

que ao carbono retornará.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Fertili SA


Eram tempos sombrios. Por muitas vezes se pegava olhando a própria prole e um sentimento de desesperança o dominava a ponto de se arrepender da paternidade por pura e simples pena. A esposa dedicada à instituição familiar com o zêlo feminino incompreensível aos homens, também se dedicava à labuta externa. Seus amigos de trabalho eram os mesmos do bar, onde apesar de todas as tentativas de entorpecimento, sua sobriedade bravamente resistia no semblante que fitava os copos cheios, as barbas mal feitas, os sorrisos de escárnio e a conformidade coletiva. Este era o equilíbrio. Cada um no seu lugar como as peças que fazem com que a engrenagem funcione a pleno vapor.  Até que chegou a notícia de que sua mãe, idosa e já doente, o faltaria permanentemente. Era uma subtração previsivelmente inesperada. Sobretudo por que a morte implica em procedimentos burocráticos e relações comerciais objetivas. Custou-lhe tão caro que no decorrer dos trâmites funerários foi arrebatado por uma inspiração. Precisava calcular. Olhou para a mulher, quarenta e três anos de vida, o equivalente à trezentos e setenta e sete mil horas e contando, dentre as quais aproximadamente duzentas e sessenta e quatro mil dedicadas ao trabalho. Mais despesas com jazigo, caixão, certidões, terno preto e acessórios (com sorte a gravata seria brinde), flores, santinhos , caixas e mais caixas de lenços, possivelmente terapia e muita, mas muita cachaça. Ponderou e compreendeu que existem os que pagam e serão estes os miseráveis. E existem, por outro lado, aqueles que recebem, os ditos abastados. Não foi uma decisão difícil. Abriu uma firma de coleta e reciclagem orgânica. Produzia fertilizante de alta qualidade, tornando-se inclusive grande exportador. Empregou a mulher, os amigos e mais tarde os próprios filhos. Recebia diariamente ameaças de morte, umas anônimas, outras assinadas por donos de funerárias e cemitérios, desesperados com a falência de seus negócios ultrapassados. Ria de todas elas, afinal se dedicava à sua empresa de corpo e alma. E no momento faz planos para investir no ramo de fast-food. Obviamente, determinou que seu diferencial competitivo será sempre trabalhar com produtos de origem cem por cento orgânica.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Nossa terra



De quem é essa terra?

Da criança, da semeadeira, do lavrador

Planta sonho, colhe guerra

Poda o mal, levanta o moinho

Móe o grão, provê o pão, cura a dor

Do sangue faz vinho

Mata a fome com fome de terra

A fome que na terra se encerra.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Não presente


Após inúmeras tentativas mal sucedidas, posso enfim anunciar que consegui o habeas-corpus que suspende minha condição de cidadão vivo por tempo indeterminado. Antes que alguém se assuste isto não significa, absolutamente, que eu possa ser declarado morto. Muito pelo contrário, continuo mais vivo do que nunca. Simplesmente, por força do benefício concedido, não responderei pelos meus atos, assim como também fico isento de minhas obrigações civis como por exemplo a declaração de imposto de renda, o pagamento de aluguel e empréstimos, dividas oficiais (e não oficiais), contas domiciliares (luz, água, telefone, etc), comparecimento à reuniões familiares e outros eventos sociais de esfera inferior, como reuniões escolares de meus filhos e reuniões de condomínio. Tenho a partir de agora, o privilégio de ser não sendo, com a possibilidade de demover-me da idéia quando assim achar conveniente, o que não acredito que venha a acontecer dado o extremo conforto e regozijo que a presente condição (ou não-condição) me proporciona. De forma que, mesmo o tempo, tão valioso atributo da vida mundana, para mim se apresenta como a piada permanente que me permite ocupar os hiatos entre uma atividade e outra. Sim, estou devidamente atarefado, mesmo ausente em corpo e espírito, porém indubitavelmente presente em reflexão e munido da inquietação, que de acordo com as regras nas quais meu habeas-corpus fora concedido, é um dos poucos sentimentos que ainda serão a mim permitidos. Além dela, posso fazer uso da indignação, porém não vejo muita utilidade nisso, já que me encontro impedido de extravazá-la. E por fim, tenho resguardado o direito ao amar, por motivos óbvios, uma vez que nesta presente condição, fico sumariamente isento de qualquer espécie de culpa que à minha pessoa (ou não-pessoa) queiram justa ou injustamente atribuir. Concluo, portanto, que nada poderei ser ou estar quando ou se assim o desejarem, seja lá o que for o que vierem (ou não) a desejar.
Ass.: Anon

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A mais feia das cabeças do bicho



Chega de política.

Já não basta eu ter que me despedir dos meus filhos sem que eles possam desfrutar do carinho da própria mãe? Madrugar no escritório? Aguentar o meu chefe arrrotando vantagem...”comprei carro novo”, “comprei casa na praia”, “vou passar férias em Miami”...e eu ainda tenho que aguentar comício de sindicato e greve de professor só para tumultuar o trânsito?

Eu odeio política.

De dois em dois anos é a mesma coisa. Começam com essa história de que um roubou pra cá e o outro pra lá. Para nós que ficamos parados no trânsito por praticamente três horas todos os dias das nossas vidas e só temos o rádio para recorrer, ouvir pessoas discutindo política é penitência.

Política, eu tô fora.

Quando termina o jornal e começa a novela é um alívio. A gente já tem que conviver com tanta desgraça na nossa vida, violência, doença e ainda tem que ouvir besteira e votar.

Política é uruca.

Já perceberam que toda vez que você fica preso numa enchente, sempre aparece alguém com camisa de candidato para ajudar? É impressionante!

Eu não sei nada de política.

Meu negócio é ganhar dinheiro. Se eu estou vendendo muito é ótimo, senão é por que o povão tá duro. Aí é melhor esperar que a tempestade passe, pro dinheiro voltar a pingar. Enquanto isso, o dinheirinho fica lá no banco paradinho, rendendo uns trocados.

Eu não acompanho política.

Para mim televisão é entretenimento. Não vivo sem as minhas séries favoritas, meus filmes favoritos e uns talk-shows também. No próximo feriado prolongado vou viajar pro litoral, mas segundo a previsão vai chover. Adivinha? Vou levar todos os DVD´s das minhas séries favoritas e umas comédias românticas só para ajudar a passar o tempo!

Política não resolve nada.

Todo dia eu vejo no jornal que a coisa tá feia e só vai piorar. Sinceramente, não sei como o mundo ainda não acabou. Mas fazer o que, né? Seguimos acreditando.

Política é muito difícil.

 Eu até tento entender. Só sei que meu pai diz que é tão complicado que nem a minha professora saberia explicar.

Política aqui não.

Não misturamos as coisas. Aqui é lugar de aprender. A preocupação é o vestibular, por que é isso que pode garantir que essas crianças sejam alguém na vida.

Política é vício.

O problema dessa gente de esquerda é que tudo para eles é política.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Aletheia

O que revelo-te é o que não podes ver.

Veja com a alma e desnudar-te-ei o que nenhuma beleza efêmera ousaria anuviar.

Seja minimamente indiscreto e despeça-se das glórias.

Perante a mim, deves pretender a igualdade ou serás sempre abjeto.

Dar-te-ei minha mão, meu colo e meus olhares.

Serei para ti o bem inalienável, a recompensa justa e dos portos, o mais seguro.

Pelas dúvidas transito com maestria, em meu véu transparente e esvoaçante.

Não sou sua busca, mas conduzir-te-ei pelas veredas obscuras.

Terás apenas que renegar à reles crença da supremacia, pois em minha morada não há escalas.

Frutificaremos, se fores capaz de vencer a maior das batalhas.

Por ora tenho a luz, que a ti servirá de consolo. Aceite minha oferenda como prova de reconhecimento do teu valor.

Porém, o maior dos prêmios pertencerá àquele que aqui, ser,  jamais o terá pretendido.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Kairos x Chronos



Kairos matou Chronos e a batalha chegou ao fim.

Kairos estava em seu palácio, quando Chronos rastejou por entre as colunas gigantescas de mármore branco do imponente portal. O sorrateiro monstro desviava de vasos, contorcia-se assumindo formas grotescas, deixando um rastro gosmento e mal cheiroso pelo chão frio das salas que levava aos fundos da morada erguida na mais alta das colinas. Ao avistar kairos, que tinha seu fabuloso jardim rendido aos seus pés alados, armou seu mortífero bote de cento e oitenta graus. Sabia que dessa vez não seria tão simples, como de costume, pois sua vítima era seu maior antagonista. Porém Kairos já sabia da presença de Chronos e sua ardil tentativa de emboscada. Kairos era só paciência. Chronos era volúpia e esse foi o seu erro fatal. Ao enfrentar o maior dos heróis deveria saber que seu arroubo pragmático teria um alto custo, pois qualquer instante concedido a Kairos representa a eternidade. Kairos foi sendo coberto pela mandíbula superior de Chronos, enquanto a mandíbula inferior fazia seu movimento complementar. Quando alcançou os trezentos e cinquenta e nove graus seus olhos sorriam e a vitória não só já era dada como certa, como comemorada. Eis que uma flecha certeira penetrou-lhe o céu da boca, acertando com precisão incomparável o tálamo, varando o crânio. O cérebro da besta partiu-se ao meio e as metades em novas metades, totalizando então, quatro quartos. Cada parte a seu tempo foi minguando e desfragmentando até se transformarem em poeira e dissiparem ao vento. Glorioso e impiedoso, Kairos agora estava de pé sobre o acéfalo cadáver inimigo. Tinha em seu rosto o vibrante sorriso do vencedor, em contraste ao espanto aterrorizante eternizado ao vencido. Poderia, enfim, reclamar o amor de Aletheia e a conquista do Reino de Pragmatikotita.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Kairos, o herói




Viva Kairos, herói dos heróis!

Kairos, o magnífico, é supremo e onipresente.

Viva kairos, o alado!

Kairos é artesão, tem arco e flecha e a sabedoria do tear.

Viva Kairos, o preciso!

Kairos é aqui e agora. É certeza, segurança e rapidez.

Viva Kairos, o sábio!

Kairos é reflexão e oportunidade.

Viva kairos, o belo!

Kairos com sua trança sobre sua face e a nuca despida, tem a força de todos os seres.

Viva kairos, o invencível!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Chronos, o monstro




É o mais temido de todos os predadores. Jamais um fóssil seu fora encontrado, mesmo assim não há quem duvide de sua existência, pois todos os dias suas presas, ou o que sobrou delas, servem como prova irrefutável de sua voracidade. Seu ataque acontece de maneira tão sorrateira que a própria vítima somente toma consciência de que fora devorada quando todas as esperanças já a abandonaram. Este é o relato de como transcorre seu ataque, de forma que as coincidências, ainda que manipuladas, são a demonstração empírica dos fatos.
A fera toma posição discreta e ajusta-se à pulsação da presa. Nos primeiros instantes, cede levemente a mandíbula inferior, em aproximadamente dez graus, logo alcançando noventa em um ritmo inalterado. A partir desse momento começa seu balé, no qual contorna a vítima sempre da direita para a esquerda, extendendo sua mandíbula ao máximo, em precisos cento e oitenta graus. Então, a vítima adentra sua boca, totalmente inconsciente do que está ocorrendo. O engolimento ocorre na mesma batida que a emboscada, porém com movimentos reversos. Não se ouve gritos ou lamentos, mas o fato está sacramentado. Permanentemente insaciável, vai à busca de mais alimento. Mas a ironia das ironias, é a descoberta de que a sua posição na cadeia alimentar é ambígua. Suas vítimas transformam-se em seus principais consumidores.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Conta gotas




Uma gota

É garôa.

Caiu mais uma gota

É chuva.

Na próxima gota

Será tempestade.

Com mais três gotas

Tem-se um dilúvio.

Quem contar de todas as gotas a última, terá por recompensa o primeiro raio de sol.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Artesanato



Até o digo,
Que não há preto no branco, muito menos o reverso.
Pego uma agulha afiada e esquento-lhe a ponta.
Depois perfuro um pano de fundo negro deixando que a luz penetre por pequenos orifícios talhados na brasa. Mas seus olhos só vêem palavras. O que confunde os olhos ofusca a mente.

Enfarto do digitocárdio



Deu entrada na emergência em estado desesperador
Tremia, contraía, debatia, gritava de dor
Luzes, câmeras e muita ação
Na sala de cirurgia, um bisturi, frieza e muita concentração
Rasgou-lhe o peito e para a sua incredulidade
Havia um vácuo e muita futilidade
O órgão trocado por circuitos de complexo sistema
funcionava  aparentemente sem problema
Mas de que reclamava o paciente?
Não de futuro, nem de passado, só de presente
De que vivia então o pseudofedelho?
Respirava com ajuda de aparelho
Que não se confunda ao hospitalar
Aparelho portátil domiciliar
Com controle remoto e tela de lédi ou elecedê
Prostrado, totalmente à sua mercê
Mas eis que ocorre um súbito apagão
que seca a fonte do seu pobre coração.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Sábio é o jardineiro



A Rosa não era mais a mesma. Suas pétalas murcharam e secaram, nem de longe lembrando a vivacidade rubra que outrora agraciava os olhos de quem frequentava aquele jardim. Tudo aconteceu por culpa do Espinho, que de tantos ciúmes, feria a todos que ousassem se aproximar de sua protegida. Sufocada, a Rosa tomou a mais difícil das decisões. O Espinho em sua agudez, não hesitou em acatar seu desejo, pois com a Rosa não se discute. A Rosa encontrou uma nova morada e era visitada por muitos, que a cheiravam e a acariciavam. Mas um dia a repousaram em um vaso com água. Não era mais a Rosa do jardim. Tornou-se um doze avos de um enfeite provisório de um egocentrismo qualquer. Feneceu e encontrou nas páginas de um livro sua morada eterna.
- Não se separa uma Rosa de seu Espinho.
Já dizia o Jardineiro.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Teus olhos não veem



O precipício ergue-se imponente perante o mar, que luta em vão por uma vitória fadada a jamais se realizar. Na última fronteira ele estende os braços e oferece o peito ao vento continental. A vertigem é ínfima, a coragem colossal. Deixa-se inclinar para frente, o suficiente para mergulhar na gravidade. Em forma de flexa, seus pés se distanciam do chão derradeiro, enquanto as pontas dos dedos se aproximam irreversivelmente da folha da água, ora espuma, ora vácuo. Ao penetrar no Reino de Posseidon cerra os olhos, pois o sal das próprias lágrimas já beira o limite do tolerável. Não verá os corais, nem os recifes, muito menos tudo aquilo que se manifesta em vida na imensidão azul submersa. Para Teus Olhos o mar é um todo negro e inatingível. Ao emergir flutua, sorrindo ao sol com desprezo às profundezas. Entrega seu rumo ao desejo das ondas, que o conduzem para longe de tudo.

Sem notícias



A ansiedade roubou minhas horas, meu sol, minha madrugada. Agora atenta contra a minha paciência.
A ansiedade é um assédio moral.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Silêncio, por favor



Enxaqueca, noite chata
Choro, uma enxurrada
A dor uma cachaça, uma chama, uma chibata
Talvez uma enxada
A chave da charada?
Uma caixa de chocolates e uma xícara de chá
que no chão já se encontra gelada
No colchão que logo chego
Uma chance de aconchego
para uma cabeça inchada