quinta-feira, 3 de março de 2011

Não presente


Após inúmeras tentativas mal sucedidas, posso enfim anunciar que consegui o habeas-corpus que suspende minha condição de cidadão vivo por tempo indeterminado. Antes que alguém se assuste isto não significa, absolutamente, que eu possa ser declarado morto. Muito pelo contrário, continuo mais vivo do que nunca. Simplesmente, por força do benefício concedido, não responderei pelos meus atos, assim como também fico isento de minhas obrigações civis como por exemplo a declaração de imposto de renda, o pagamento de aluguel e empréstimos, dividas oficiais (e não oficiais), contas domiciliares (luz, água, telefone, etc), comparecimento à reuniões familiares e outros eventos sociais de esfera inferior, como reuniões escolares de meus filhos e reuniões de condomínio. Tenho a partir de agora, o privilégio de ser não sendo, com a possibilidade de demover-me da idéia quando assim achar conveniente, o que não acredito que venha a acontecer dado o extremo conforto e regozijo que a presente condição (ou não-condição) me proporciona. De forma que, mesmo o tempo, tão valioso atributo da vida mundana, para mim se apresenta como a piada permanente que me permite ocupar os hiatos entre uma atividade e outra. Sim, estou devidamente atarefado, mesmo ausente em corpo e espírito, porém indubitavelmente presente em reflexão e munido da inquietação, que de acordo com as regras nas quais meu habeas-corpus fora concedido, é um dos poucos sentimentos que ainda serão a mim permitidos. Além dela, posso fazer uso da indignação, porém não vejo muita utilidade nisso, já que me encontro impedido de extravazá-la. E por fim, tenho resguardado o direito ao amar, por motivos óbvios, uma vez que nesta presente condição, fico sumariamente isento de qualquer espécie de culpa que à minha pessoa (ou não-pessoa) queiram justa ou injustamente atribuir. Concluo, portanto, que nada poderei ser ou estar quando ou se assim o desejarem, seja lá o que for o que vierem (ou não) a desejar.
Ass.: Anon

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A mais feia das cabeças do bicho



Chega de política.

Já não basta eu ter que me despedir dos meus filhos sem que eles possam desfrutar do carinho da própria mãe? Madrugar no escritório? Aguentar o meu chefe arrrotando vantagem...”comprei carro novo”, “comprei casa na praia”, “vou passar férias em Miami”...e eu ainda tenho que aguentar comício de sindicato e greve de professor só para tumultuar o trânsito?

Eu odeio política.

De dois em dois anos é a mesma coisa. Começam com essa história de que um roubou pra cá e o outro pra lá. Para nós que ficamos parados no trânsito por praticamente três horas todos os dias das nossas vidas e só temos o rádio para recorrer, ouvir pessoas discutindo política é penitência.

Política, eu tô fora.

Quando termina o jornal e começa a novela é um alívio. A gente já tem que conviver com tanta desgraça na nossa vida, violência, doença e ainda tem que ouvir besteira e votar.

Política é uruca.

Já perceberam que toda vez que você fica preso numa enchente, sempre aparece alguém com camisa de candidato para ajudar? É impressionante!

Eu não sei nada de política.

Meu negócio é ganhar dinheiro. Se eu estou vendendo muito é ótimo, senão é por que o povão tá duro. Aí é melhor esperar que a tempestade passe, pro dinheiro voltar a pingar. Enquanto isso, o dinheirinho fica lá no banco paradinho, rendendo uns trocados.

Eu não acompanho política.

Para mim televisão é entretenimento. Não vivo sem as minhas séries favoritas, meus filmes favoritos e uns talk-shows também. No próximo feriado prolongado vou viajar pro litoral, mas segundo a previsão vai chover. Adivinha? Vou levar todos os DVD´s das minhas séries favoritas e umas comédias românticas só para ajudar a passar o tempo!

Política não resolve nada.

Todo dia eu vejo no jornal que a coisa tá feia e só vai piorar. Sinceramente, não sei como o mundo ainda não acabou. Mas fazer o que, né? Seguimos acreditando.

Política é muito difícil.

 Eu até tento entender. Só sei que meu pai diz que é tão complicado que nem a minha professora saberia explicar.

Política aqui não.

Não misturamos as coisas. Aqui é lugar de aprender. A preocupação é o vestibular, por que é isso que pode garantir que essas crianças sejam alguém na vida.

Política é vício.

O problema dessa gente de esquerda é que tudo para eles é política.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Aletheia

O que revelo-te é o que não podes ver.

Veja com a alma e desnudar-te-ei o que nenhuma beleza efêmera ousaria anuviar.

Seja minimamente indiscreto e despeça-se das glórias.

Perante a mim, deves pretender a igualdade ou serás sempre abjeto.

Dar-te-ei minha mão, meu colo e meus olhares.

Serei para ti o bem inalienável, a recompensa justa e dos portos, o mais seguro.

Pelas dúvidas transito com maestria, em meu véu transparente e esvoaçante.

Não sou sua busca, mas conduzir-te-ei pelas veredas obscuras.

Terás apenas que renegar à reles crença da supremacia, pois em minha morada não há escalas.

Frutificaremos, se fores capaz de vencer a maior das batalhas.

Por ora tenho a luz, que a ti servirá de consolo. Aceite minha oferenda como prova de reconhecimento do teu valor.

Porém, o maior dos prêmios pertencerá àquele que aqui, ser,  jamais o terá pretendido.