quinta-feira, 3 de março de 2011

Não presente


Após inúmeras tentativas mal sucedidas, posso enfim anunciar que consegui o habeas-corpus que suspende minha condição de cidadão vivo por tempo indeterminado. Antes que alguém se assuste isto não significa, absolutamente, que eu possa ser declarado morto. Muito pelo contrário, continuo mais vivo do que nunca. Simplesmente, por força do benefício concedido, não responderei pelos meus atos, assim como também fico isento de minhas obrigações civis como por exemplo a declaração de imposto de renda, o pagamento de aluguel e empréstimos, dividas oficiais (e não oficiais), contas domiciliares (luz, água, telefone, etc), comparecimento à reuniões familiares e outros eventos sociais de esfera inferior, como reuniões escolares de meus filhos e reuniões de condomínio. Tenho a partir de agora, o privilégio de ser não sendo, com a possibilidade de demover-me da idéia quando assim achar conveniente, o que não acredito que venha a acontecer dado o extremo conforto e regozijo que a presente condição (ou não-condição) me proporciona. De forma que, mesmo o tempo, tão valioso atributo da vida mundana, para mim se apresenta como a piada permanente que me permite ocupar os hiatos entre uma atividade e outra. Sim, estou devidamente atarefado, mesmo ausente em corpo e espírito, porém indubitavelmente presente em reflexão e munido da inquietação, que de acordo com as regras nas quais meu habeas-corpus fora concedido, é um dos poucos sentimentos que ainda serão a mim permitidos. Além dela, posso fazer uso da indignação, porém não vejo muita utilidade nisso, já que me encontro impedido de extravazá-la. E por fim, tenho resguardado o direito ao amar, por motivos óbvios, uma vez que nesta presente condição, fico sumariamente isento de qualquer espécie de culpa que à minha pessoa (ou não-pessoa) queiram justa ou injustamente atribuir. Concluo, portanto, que nada poderei ser ou estar quando ou se assim o desejarem, seja lá o que for o que vierem (ou não) a desejar.
Ass.: Anon

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