domingo, 16 de outubro de 2011

Nó na madeira


Seu Pituca não saía do quarto há dias. Sempre compunha em clausura. Alegava que a inspiração não precisa de paisagem, nem companhia. Munido de cavaquinho e lembranças, ensaiava acordes que logo em seguida dissipavam com a fumaça do cigarro de palha que decorava o canto de sua boca.

Rosaura, já habituada à rotina do velho companheiro, anunciava protocolarmente as refeições da casa, mas nesses períodos não alimentava esperanças de compartilhar seu cotidiano, muito menos suas amarguras. Seu Pituca deixava seu refúgio quando o corpo pedia. E pedia cada vez menos.

A casa era modesta. Não havia falta nem fartura. Os móveis já haviam assumido a ergonomia necessária para garantir o aconchego dos que ali viviam, inclusive dos amigos mais frequentes.  Cada porta rangia num acorde afinado ao estágio de sua ferrugem. Da cozinha vinha o brugurundum das colheradas contra as panelas cheias das delícias de Rosaura.

 Seu Pituca já havia cantado a beleza de suas dores em poesia. Parecia saudar a melancolia, que em retribuição, punha um sorriso matreiro no rosto do sambista. Mesmo sabendo que a dor do sambista é incurável, ainda assim a contemplava como se fosse a quintessência da beleza.

Acorde pra cá, terça-feira pra lá, acorde acolá, sexta-feira se vai. O domingo já vem. O samba não.

Culpados não faltam. Ora a madrugada silenciosa, ora a chuva e sua cônjuge falta de luz. Experimenta um Lá, troca por Mi, empaca em Dó. Vai à fá, regride em ré. A vida antes sustenida, tropeça em bequadro.

Da fumaça só fica o cheiro, impregnado nas paredes e cortinas. Se o samba ninguém cantou,  ninguém ouviu. Já a dor, passou a existir. Em uma outra casa modesta, já se pode ouvir os primeiros acordes de um outro cavaquinho.

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