quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Viver de Barros



Hoje os passarinhos não cantaram em azul
O mundo deixou de rastejar sob o peito da lesma
Os sapos cansaram de engolir vento e dormiram-se de pedra
Não houve balé de vento no horizonte regurgitado de sol de lata
Uma gralha desligou a máquina de esticar o mundo
E para não mosquitar os rios, os peixes se vestiram de chafariz e sopraram silêncio nas minhocas de um pescador de borboletas
Quem me dera ser o barro de parir palavra
Quem dera a palavra digna de ser ave tornar-se relógio com um ponteiro de fabricar infinito
Para sentar-me num galho de sol e assistir a vida virar Manoel.  

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Sou Carioca, sou de Madureira

                                                          ( Foto: J. Ricardo)


Renascer das cinzas talvez seja das tarefas, a mais difícil.
Sobretudo quando o passado de tão glorioso, inebria-nos a alma da mesma forma que paralisa nossos corpos, cegando-nos para qualquer espelho alheio ao de nosso armário. Isso nos torna de uma maneira tão herméticos que construímos um casulo até o ponto de decidirmos viver apenas para conservá-lo, apostando numa existência mínima e confortável.
Chega um dia em que as nossas asas crescem, mesmo estando aprisionados em nosso casulo, ou ovo se preferirem. O casulo se rompe e não há mais como retornar. A única alternativa é voar.
Não se trata de borboletas, tão belas quanto frágeis. Não são pássaros quaisquer. São águias. E águias não suportam a clausura. Seu destino é voar acima de todos, enxergar à frente, ser soberana. Mas se não caçar todos os dias, fenecerá. Se não cuidar do ninho extinguir-se-á.
Não há a pretensão aqui de se apregoar uma receita que ajude aos carentes de inspiração.
Este é um relato de um momento no qual o ovo que se quebrava, revelava não um filhote despenado, sem jeito e dependente, mas uma fênix altaneira, imbatível e faminta.
Do que se trata a Portela? Se eu fosse um estrangeiro no ninho da águia, esta pergunta não sairia da minha cabeça até que eu obtivesse a resposta que saciasse a minha reles curiosidade. Acontece que não sou estrangeiro. E sendo nativo, a resposta deveria saber. E agora tenho a certeza indelével de não saber.
Preciso pontuar a temporalidade de meu relato, pois de lindas histórias nosso livro não dá conta.
Final da escolha do samba que representaria a Portela no ano de 2015. O enredo era em si familiar ao Portelense no que diz respeito à sua paisagem. A linguagem, esta sim, uma novidade agradável e desafiadora. Em nossa pauta, a surrealidade de uma cidade de quatrocentos e cinquenta anos.
Em minha cabeça já havia raciocinado, ponderado, calculado e até metrificado a qualidade de uma das obras e não tinha a menor das dúvidas de que a escolha seguiria seu curso lógico. Acreditava que seria escolhida uma aula de surrealismo, com a técnica impecavelmente empregada, minuciosamente respeitada, digna de contemplação dos mestres da arte citada.
Eis que o ovo se quebra.
Encontrava-me num piso superior da quadra, o que me dava uma visão privilegiada dos entornos. Era uma sensação de enxergar como águia.
Dali eu via meus irmãos de camisa e co-irmãos vindos de perto e de muito longe. Mangueira, Império Serrano, Salgueiro, Vai Vai, Nenê de Vila Matilde, Dragões da Real, e o mar azul e branco de apaixonados Portelenses.
Antes que a segunda apresentação começasse oficialmente, o entoar do hino já dominava os quatro cantos da quadra e dali em diante o que se viu foi o vôo da águia que viajava cada vez mais alto até que transcendeu e pairou sobre o mundo dos sentidos tal qual o percebemos.
Não se tratava de uma aula de surrealismo, mas sim o surreal acontencendo de forma atemporal, inesquecível, inquestionável.
Uma obra surreal só o é se todas as partes estiverem presentes e os seus efeitos se realizam. Ali havia, o símbolo, o belo, a estranhamento, o inusitado, o arrebatamento e a sublimação.
A anfitriã parecia se alimentar da alma dos seus filhos e convidados e retribuía em forma de comoção, gerando uma catarse capaz de fazer surtar de loucura o próprio Salvador Dali. Os jurados apenas ratificaram uma escolha tomada no chão da quadra. O que pode vir a acontecer quando estivermos sob o julgo de olhares estranhos, que por tantas vezes olha, mas não vê.
A Portela emocionou e transbordou, literalmente pelas ruas de Oswaldo Cruz e Madureira, quando um sol alaranjado iluminava as almas lavadas dos devotos do samba, que naquele momento não tinham bandeiras. Encarnavam o samba em estado bruto, era a vida em seu plano surreal. Sentiam-se campeões.
Com todo o respeito que um artista campeão como Paulo Barros merece, tomarei a liberdade de responder à pergunta - enredo de sua agremiação, a não menos campeã Mocidade Independente de Padre Miguel: Se o mundo acabasse e só lhe restasse um dia, o que você faria?
Sem dúvida alguma, eu iria pra Portela. Para ver o mundo renascer pelos olhos da águia.



domingo, 1 de junho de 2014

Conto do Pé de Coité


Cadê a cuia de cumê
Cuia cum nome de cada um
Catamo lá fora no pé de Coité
Papai plantô mamãe molhô
Cumemo feijão cum farinha
Broa de milho e bebemo café
Café na caneca pra num deixá chêro
Senão volta lá fora e pega fruta no pé
Corta no meio põe pra secá
Talha nome na faca esquentada no fogo
Chama de cabaça de cuia de cuité até
Só num chamamo de prato porque é raso e a cuia é funda
Bebemo sopa e asveiz num tem muita
Coitado do coité que também é cuité
As criança não cansa de subir no pé
Nem cum chuva dão sossego
Nem cum sol querem descê
Do cuiero véio que num pára de vivê
Pra brincá na terra e depois entrá
Pra tomá banho de cuia e depois cumê
Na cuia de coité que é cabaça e cuité até.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Rainha da Matinha



Já caminho por estrada estreita

Mais acima vem a curva

Bebi muita água turva

Já cacei sol na sombra à espreita

Resisti à tempestade

Já caíram frutos que dei

Já cantei o que sonhei

Esgotei a brevidade

Escutei muito lamento

Já careço de carinho

Já casei com passarinho

Abriguei  nascimento

Já cá estou a esperar

Valeu a pena toda a luta

Sou a mais linda das Jaqueiras

Já catastes minha fruta

O Solar dos Oliveiras

Nosso canto nosso Lar  

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Roda de Samba




Quando  a roda de samba começa
Chega gente de todo lugar
Vêm pra quadra ou terreiro
Pra rua ou mesa de bar
É o encontro dos poetas
Com a arte popular
Nossa escola, nossa casa
Nosso jeito de brincar
A Mulata, Mulateia
O Cavaco, Cavaqueia
A Cuíca, Cuiqueia
Seus choros a nos encantar
O Pandeiro, Pandeireia
O Violão, Violeia
E o Surdo, Surdeia
E o povo se põe a cantar
O Pagode, Pagodeia
E o Partideiro, Partideia
Atabaque, Atabaqueia
Se começa não pode parar
A Mangueira, Mangueireia,
O Salgueiro, Salgueireia
O Império, Impereia
Na Escola de Samba  a voz do povo não vai se calar
E a Vila, Vileia
O Estácio, Estaceia
A Portela, Porteleia
Viva a roda de Samba,  a ginga, a elegância, e a baiana a girar
Clara Nunes, Porteleia
A Madrinha, Manguereia
O Martinho, Vileia
Dona Ivone, Impereia
O Paulinho, Porteleia
O Cartola, Manguereia
O Noel, Vileia
O Candeia, Porteleia
Jamelão, Manguereia
O Luís Carlos, Vileia
O Monarco, Porteleia
E o Samba, Sambeia
E o Paulo, Sambeia
E o Caetano, Sambeia
E o Rufino, Sambeia
E a Vicentina, Sambeia
Sambeia
Sambeia