sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Vulgo


Governava o Rei dos Mares, com a força das ondas e o temor das tempestades.
Mas não reinava sozinho, pois havia os nobres da corte de abrangência global. O Conde dos Gelos, que equilibrava a efervescência dos vulcões submarinhos com suas águas frias oriundas dos pólos.

O Duque, ora veja, era senhor das cidades e cidadãos, enaltecidos pelo adjetivo maiúsculo, que também contemplaria os vassalos da Religião, sob o comando do Visconde dos Templos, eterno colhedor de tributos impagáveis.

Assim se dava o status quo.

Mas havia uma inquietude no fundo do mar. O Rei dos Mares não percebia a gravidade. Pensou que se tratava apenas do deslocamento de placas tectônicas e conseqüentes tsunamis. Mas a agitação tinha origens mais profundas.

Rei que se preza pressente o perigo. Ordenou que seus tubarões de caça revirassem o fundo do mar a procura dos indícios que levassem ao causador da revolta dos mares. Abaixo da superfície são todos iguais. São todos e nenhum.

Mas a origem é uma só, só os nobres não vêem. O Conde dos Gelos, em seu afã juvenil, ordenou que os pólos ficassem mais frios, a ponto de congelar todo o oceano. O Rei dos Mares o advertiu:

- Vá com calma meu rapaz, eu ainda sou o maior.

O Duque, senhor dos cidadãos e braço direito do Rei, cegou-se de tanta raiva e abriu fogo contra qualquer alvo possível:

- Veja meu senhor, a culpa é das baleias encalhadas! Veja vossa alteza, só pode ser culpa dos cavalos marinhos! Veja meu supremo, são as sereias, com certeza são elas, acredito.

O Rei a cada denúncia mandava caçar quem quer que fosse citado como culpado pelo rebuliço.

Mas ninguém mais poderia deter a força de Calamar. Por que Calamar era querido por todos os seres viventes. Por que Calamar estava nas profundezas do reino maior.

Coube ao Visconde dos templos difamá-lo com aumentativos.

Calamar perdera um membro em guerra – Aleijadão! Calamar é invertebrado – Molengão! Calamar é cefalópode – Cabeção! Calamar é vulgar – Povão! Calamar quando provocado, emite jatos de tintas letais aos condes, viscondes, duques e veja você, até reis.

Nosso Novo Rei não venceu pela força, venceu pela palavra. E sua palavra cala qualquer um. E de uma vez, cala templo, gelo, cidade. O Rei cala mar.

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