terça-feira, 14 de setembro de 2010

2031



Era início de dezembro e nos corredores da escola não mais ecoavam as saudações matutinas dos alunos. Tampouco soava a campainha de trezentos decibéis, há muitos anos aposentada, mas em seu lugar preservada por puro capricho.


Apenas o retumbar de dois saltos italianos de madeira intercalados com o som abafado da solas esmagando pequenas partículas de poeira podiam ser ouvidos.

À medida que se aproximava da sala do diretor ganhava pressa e firmeza. Uma breve parada diante da porta para ajeitar o cabelo tendo como reflexo a placa que identificava o ocupante principal do recinto.

Entrou sem bater.

Mas não seria tão simples assim. Entre o Diretor da escola e o senhor Rodolfo havia uma ante-sala e dentro dela uma secretária. Após uma sucinta, porém adequada apresentação, a entrada foi autorizada.

Um aperto de mãos frio como a escolha das armas para um duelo deu o tom da visita.

- O senhor já deve saber o motivo de minha vinda até aqui.

- Presumo que sim, mas em quê posso ajudá-lo?

Parecia cínico, mas o diretor jamais brincou em serviço.

- Gostaria que o caso da reprovação do meu filho fosse revisto e reconsiderado.

- Uma coisa de cada vez, por favor. O que exatamente o senhor gostaria que revíssemos?

- Meu filho nunca tirou nenhuma nota abaixo de nove em matemática.

- Seu filho jamais cooperou com o trabalho da empresa júnior que produzia cadernos feitos com papel reciclado que eram vendidos na loja da escola.

- Meu filho não é peão de chão de fábrica e muito menos comerciante de bazar.

- O senhor tem toda a razão. Por isso o desempenho dele nas avaliações de trabalho em equipe, gestão de qualidade e gestão financeira ficou muito abaixo da média.

- Mas isto é um absurdo! Ele sempre foi responsável com as tarefas, respeitando os prazos e critérios exigidos pelos professores. O projeto dele foi o vencedor da feira de ciências desse ano.

- E depois ele deu aquela infeliz declaração ao blog dos alunos dizendo que o mérito da vitória era exclusivamente dele.

- Não há dúvida alguma sobre isso.

- Levando-se em consideração que o projeto era sobre estética corporal e ele era o manequim vivo, o senhor até tem alguma razão em acreditar nisso.

- Já entendi. Já entendi. Há um preço, não há?

- Há.

- De quanto estamos falando?

- De algo em torno de um ano para que ele possa demonstrar que está eticamente preparado para viver em sociedade e ser capaz de servir de exemplo para todos aqueles que o cercam. A propósito, ele também demonstrou total indiferença às causas humanitárias sendo reprovado em PIS.

- Que diabo é isso?

- Projetos de inclusão social.

- Dez em história.

- Dois em Cidadania e direitos humanos.

- Dez em Geografia.

- Um e meio em Cultura Brasileira.

- Dez em inglês.

- Melhor não falarmos da produção de textos.

- Vocês não são uma escola? O que são vocês?

- Nós somos o Centro de Desenvolvimento Humano.

- E o vestibular? Como é que fica?

- Falamos sobre isso nas aulas de História da Segregação Social. Aliás, ele também não obteve rendimento satisfatório.

- Você não reconsiderará o resultado do Mateo?

Cinco segundos intermináveis de hiato finalmente quebrados pela resposta cortante.

- Absolutamente.

- Pois aqui meu filho não fica mais.

- Sugiro que procure uma escola particular. Passar bem.

4 comentários:

  1. o tema de nossas ultimas aulas surtiram tanto efeito em mim quanto em você, posso ver. Tomara que cheguemos a isso algum dia, e não seja apenas mais uma utopia. Muito bom, mesmo! ;D

    ResponderExcluir
  2. Maravilhaaaa!!! Será que haverá esse futuro? Não sei... estou torcendo e trabalhando para que sim

    ResponderExcluir
  3. Sonhar não custa nada né?
    Mas acredito que futuras gerações possam mudar (não apenas melhorar) muita coisa em nosso país.
    Precisamos aprender muito sobre cidadania principalmente.

    ResponderExcluir
  4. Cara, que arraso! Não conhecia esse blog. Espetáculo! Gostei de tudo o que li. Parabéns! Continue assim!

    ResponderExcluir