segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Des...




A manchete do jornal era simples: Populismo custa caro ao contribuinte.

Verônica por cerca de cinco minutos concentrava-se em cada letra, soprando os sons inaudíveis aos transeuntes, como se rezasse um terço.

Chegou a tirar os óculos, acreditando momentaneamente no equívoco do vendedor da ótica, uma loja à qual refiro-me, não ao editor.

O dono da banca, refiro-me ao jornaleiro, não novamente ao editor ou jornalista, apenas observava a cena com impaciente curiosidade, respeitando, porém, o direito do leitor ao menos a uma mera manchete.

Finda a leitura, Verônica seguiu seu caminho ao trabalho em uma clínica de oftalmologistas no Leblon, onde cumpria sua função de auxiliar de serviços gerais. Varria, espanava, lustrava, lavava, passava café, servia café com açúcar ou adoçante, biscoitinhos light, de aveia e nozes ou então somente água, obrigada.

Na clínica havia jornais e revistas com manchetes parecidas com a vista por e não de Verônica, algumas inclusive com as mesmas palavras colocadas em posições diferentes, ou com adição de algo como sobrecarrega, população, média, gasto, pobres, com outras tais como chega, abuso, bolso, cidadão, bem, era assim.

Verônica não comentava nada que não lhe fosse perguntado ou requisitado. Restringia-se a obrigado, pois não, aqui está, não há de quê, sim senhora, não senhor e vice-versa. Punha tais dizeres em exímia prática de contexto, conforme haviam sido ensinados.

Carregou nos lábios as manchetes do jornal visto mais cedo ainda em sua banca e dos outros vistos no trabalho, além de uma palavrinha escutada aqui e acolá entre um por gentileza e um muito obrigada, repetindo incessantemente em tom de cantilena as palavras populismo, custa, caro, ao, contribuinte, ricos, pagam, pobres, injusto, abuso, preguiça, safado, malandro, vagabundo, bom, mesmo, é, maiami, imposto, absurdo, onde, é, que, isso, vai, parar.

Ao chegar em casa, beija a testa da filha que com a filha no colo e o filho na rua, beija o ar em resposta. Chama o neto. Ele vem obedecer. Leva bronca. Onde já se viu jogar bola na rua com uniforme de escola. Amanhã tem aula. Ele está aprendendo a ler. As manchetes tratarão de fazerem-no desler o que ele ainda não compreende, mas vai descompreender, se não souber desdenhar, se não morrer por desobedecer.

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