sábado, 20 de abril de 2013

Diálogos Possíveis








Clarice caminhava na direção da mesa do bar da esquina onde ele estava sentado. Ele não teria muito tempo para pensar no que poderia ser dito, no máximo vinte segundos, no máximo três tentativas.
Na primeira delas, ela chegaria elegantemente austera. Seria uma demonstração de equilíbrio aparente, pois em seu interior já ultrapassara o ponto de ebulição. Não fosse sua pele clara e macia estaria exalando o ódio. Perguntaria da vida dele, o que tem feito, por onde tem andado, entre outras amenidades para driblar a fúria. Ele responderia tranquilamente, porém tomaria a precaução de não muito se alongar. Muito trabalho, compromissos, pouco tempo e quase nenhum sono. Ela o encurralaria na parede, usaria todos os seus argumentos indiscutíveis e o deixaria sem a menor chance de defesa. Ele não a contestaria. Apenas se desculparia e faria sua vigésima promessa de tornar-se um homem melhor. Clarice concordaria pela vigésima vez.  
Percebendo, entretanto, que Clarice trazia um sorriso discreto de pouca tensão labial, concluiu que não poderia haver motivo de revolta, tampouco teria ele razões para se preocupar. Esta foi a segunda suposição.
Ela o cumprimentaria com um beijo breve, mas não desprovido de amor. Perguntaria se ele a esperava há muito tempo e se já havia pedido algo para comer. Ele diria não estar com fome, só com muitas saudades. E concluiria declarando seu amor de maneira inesperada para uma ocasião, a princípio, corriqueira e banal, tornando-a subitamente romântica. Clarice, surpreendida, pediria apenas uma bebida e depois iriam juntos para casa cuidar da vida, da maneira que melhor os conviesse.
Há cinco segundos de distância ocorreu-lhe a terceira hipótese. Clarice nem sentara-se à mesa. Não seria de seu costume fazer qualquer tipo de cena que constrangesse a quem quer que fosse, nem ao seu pior inimigo, cujo o ocupante daquela cadeira era o principal candidato a ocupante do cargo. Apenas colocaria sobre a mesa a aliança que outrora ocupava um de seus dedos na mão direita. Seria breve em recomendar-lhe distância, altiva em sugerir-lhe o esquecimento e digna ao dar-lhe a chance de algo dizer, mesmo sabendo que suas palavras egoístas e efêmeras não seriam capazes de alterar em nenhum milímetro o curso dos fatos.  
Clarice por ele passou, sem ao menos perceber-lhe a existência, virou a esquina e sumiu para sempre. Era Clarice, mas poderia ser Isabela, Cristina, Marina, Luísa, Denise, ou qualquer outra criação de sua imaginação fértil, carente de presença física e  inundada de solidão. Restava-lhe o copo, a garrafa, seus músculos tatuados, o time de coração e seu cão que ainda teimava em acompanhá-lo. Por enquanto estava a salvo. Faltava-lhe apenas o que para ele era um mero detalhe.  

Um comentário:

  1. Eu gosto, sempre, de como você vai construindo a atmosfera da cena por meio da ação. Verbos em vez de adjetivos - isso dinamiza o texto.
    Vejo-me diante de uma cena e não diante de uma fotografia.
    Muito bom.

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