segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Cosmopolita


Não é da verdade que devo falar, é do fingimento.

Tirando o que se pensa ser real, o resto é falso.

Finja que respeita os seus pais e irmãos.

Dê-lhes carinho de mentira para obter carinho em troca.

Finja ter laços familiares com pessoas que você, supostamente, é incumbido de amar.

Guarde dinheiro. Sonhe com a Disneylandia. Ao encontrar aquele rato de mentira, em frente ao castelo de ilusão, próximo aos estúdios dos sonhos finja-se caucasiano e abastado. Não seja latino, seja incompreensível. Compre o chapéu de orelhas e finja-se de rato. Mostre aos amigos que você pode ser rato e eles não. Financie o sonho das crianças. Estadunidenses. Democráticos como rambos, soldados universais, provedores da paz e da liberdade.

Finja que és capaz de aprender, na escola, na rua, com os mais velhos. Finja que não copias.

Disfarce a ignorância fingindo saber o que ninguém sabe. Finja que todos são tolos. Assista ao jornal nacional, às novelas e finja que não é com você. É só provocação.

Faça de conta que gosta de pegar metrô lotado e que vive experiências sociológicas edificantes. Faça-se plural. Vista calça xadrez, tênis descolado, camiseta surrada e jaqueta de brechó. Finja que não liga, por que é assim e pronto e que se dane quem não gostou.

Finja que o sucesso é uma questão de tempo. Que trabalha. Finja ter escrúpulos, honra e dignidade.

Finja viver em outra sociedade. Enólogo, chef, bom pai e marido. Finja que joga tênis.

Troque o seu passaporte. Renegue seu nariz chapado, lábios carnudos, bunda arrebitada. Disfarce o samba.

De quatro em quatro anos, sem a menor intimidade e vergonha pendure a bandeira daquele país conveniente na janela do seu quatro por quatro assassino da camada de ozônio e finja que chora de emoção na hora do gol.

Finja que amadureceu e com isso ganharás status de sábio e diploma de inútil. Angarie compaixão com frases espirituosas, sem o menor pudor, que ainda assim serás perdoado.

No momento de abdicar da companhia dos entes queridos dissimulados, finja não ter medo.

De nada vai adiantar fingir que vives.

4 comentários:

  1. nossa Tatá...profundo...mto vdd...é o q vivemos fazendo certo?!
    no mínimo, um post mto triste e sincero, atrás de tanto fingimento...
    só vejo o vazio e incomplitude.

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  2. É Tarsilo, você consegue ir fundo até demais na sociedade... Todas aquelas coisas que todos vêem e fingem não ver, você solta com a agressividade e a postura de um escritor de verdade; invista no seu futuro como escritor, serei uma das leitoras ;)

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  3. Fui remetido ao Pessoa:

    "O poeta é um fingidor,
    Finge tão completamente,
    Que chega a fingir que é dor,
    A dor que deveras sente".

    Em tempos de valores baseados em imagens, nunca os fingidores foram tão aptos. Todavia, como bem disse: "De nada vai adiantar fingir que vives".

    Saudações interioranas.

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  4. Como vc diria.... é do caralho! Muito bom, amigo... só me dá orgulho esse menino!

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