A primeira olhada no espelho nas primeiras horas da manhã causaram-lhe um
espanto medonho.
Tentou lembrar-se de como havia chegado ali a despeito da certeza indisputável
de que por vontade própria não haveria de ter sido.
Suas mãos não obedeciam a nenhum esforço voluntário como se estivesse num
daqueles sonhos nos quais há plena consciência e nenhuma autonomia.
A torneira foi aberta pela mão direita que aliando-se à esquerda
enconchavam-se e inundavam-se, golpeando seu rosto em catapultadas geladas e
úmidas. Três foram as demonstrações de realidade que lavariam o mais fino
resquício de dúvida.
Lutou, mas seus gestos descoordenados produziam um emaranhado com os
fios, que agora percebidos, saíam de suas mãos, pés e cabeça.
Foi vestido, pintado e conduzido à arena onde a platéia se aglomerava,
comia pipoca, hambúrguer, quebra-queixo e tomava refrigerante.
Saudado com aplausos e assovios, tropeçava nos sapatos, pisava em baldes
vazios, ganhava cadeiradas na cabeça e tapas na cara para delírio da
arquibancada.
Suas piadas eram contadas por
vozes alheias que evidenciavam que no lugar de seus lábios havia um sorriso
falso permanente como um adesivo que o emudecia.
Quanto mais lutava, mais aplausos, gargalhadas e assovios. Mais pipoca, hambúrguer,
quebra-queixo e refrigerante. Mais baldes, cadeiradas na cabeça e tapas na cara.
Mas a língua ainda era sua. Mordeu e engoliu.
Perdeu a graça.
Foi substituído.
O novo número foi anunciado e o espetáculo seguiu seu curso.
Daqui de cima, na redação, tinha-se a visão risível e grotesca do
emaranhado de fios sobre o brinquedo patético e descartável, que estirado em forma
de estrela, embebedava-se de céu.
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