Sapatos pretos ingleses
sobre a mesa de seu gabinete.
Televisão ligada na
emissora parceira, plantão de notícias.
Multidão dirigindo-se
ao palácio, greve geral, apitos, faixas e camisas.
Lembra-se da Tia
Verônica. Ela pegou sua mão e o levou à mesa onde outros três colegas já se
ocupavam com giz de cêra e lixa. Limpou as lágrimas e pôs-se a desenhar.
Pensou em Tia Rita e as
intermináveis aulas de tabuada. Responda rápido ou sairá por último. Essa era a
regra. Veja só, até Mariana saiu antes de ti, menino.
De Dona Carmem herdou o dogma, aqui é estudo, família é educação.
Educação de família que
outrora ocupava o mesmo banco, na mesma sala com a mesma Dona Carmem. De
geração em geração, perpetua-se a lição.
Como esquecer de Tia
Simone, o primeiro fetiche. A primeira mulher, mesmo que à distância, mesmo que
em pensamento, mesmo que solitariamente. Era sua, de mais ninguém.
Odiava História, mas
amava Teresa. Não havia Química que o fizesse odiar Odair. Muito menos seriam
as leis da Física capazes de interferir em sua amizade extra-acadêmica com
Euclides.
O melhor de todos os
esportistas de sua geração, algoz de Nilton, em qualquer modalidade proposta.
Deveras condecorado,
saudado, exemplificado, contado e cantado.
O número um. O nota
dez. O nata da nata.
O volume da televisão
encoberto pelos apitos, gritos, cantos ao vivo do lado de fora.
Greve, aumento,
dignidade, respeito, mas nada de poder, nada de autonomia, nada de tudo que
lhes pertença ou caiba de fato.
Sapatos pretos ingleses sobre a mesa, telefone
na mão, polícia na rua, porrada na multidão, sorriso no rosto, olho no diploma
na parede.
Sorriso no rosto.
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