Clarice caminhava na direção da mesa do
bar da esquina onde ele estava sentado. Ele não teria muito tempo para pensar
no que poderia ser dito, no máximo vinte segundos, no máximo três tentativas.
Na primeira delas, ela chegaria
elegantemente austera. Seria uma demonstração de equilíbrio aparente, pois em seu interior já ultrapassara o ponto de ebulição. Não fosse sua pele clara e macia
estaria exalando o ódio. Perguntaria da vida dele, o que tem feito, por onde
tem andado, entre outras amenidades para driblar a fúria. Ele responderia
tranquilamente, porém tomaria a precaução de não muito se alongar. Muito trabalho,
compromissos, pouco tempo e quase nenhum sono. Ela o encurralaria na parede, usaria
todos os seus argumentos indiscutíveis e o deixaria sem a menor chance de
defesa. Ele não a contestaria. Apenas se desculparia e faria sua vigésima
promessa de tornar-se um homem melhor. Clarice concordaria pela vigésima vez.
Percebendo, entretanto, que Clarice
trazia um sorriso discreto de pouca tensão labial, concluiu que não poderia
haver motivo de revolta, tampouco teria ele razões para se preocupar. Esta foi
a segunda suposição.
Ela o cumprimentaria com um beijo
breve, mas não desprovido de amor. Perguntaria se ele a esperava há muito tempo
e se já havia pedido algo para comer. Ele diria não estar com fome, só com muitas
saudades. E concluiria declarando seu amor de maneira inesperada para uma
ocasião, a princípio, corriqueira e banal, tornando-a subitamente romântica. Clarice,
surpreendida, pediria apenas uma bebida e depois iriam juntos para casa cuidar
da vida, da maneira que melhor os conviesse.
Há cinco segundos de distância ocorreu-lhe
a terceira hipótese. Clarice nem sentara-se à mesa. Não seria de seu costume
fazer qualquer tipo de cena que constrangesse a quem quer que fosse, nem ao seu
pior inimigo, cujo o ocupante daquela cadeira era o principal candidato a ocupante
do cargo. Apenas colocaria sobre a mesa a aliança que outrora ocupava um de
seus dedos na mão direita. Seria breve em recomendar-lhe distância, altiva em
sugerir-lhe o esquecimento e digna ao dar-lhe a chance de algo dizer, mesmo
sabendo que suas palavras egoístas e efêmeras não seriam capazes de alterar
em nenhum milímetro o curso dos fatos.
Clarice por ele passou, sem ao menos
perceber-lhe a existência, virou a esquina e sumiu para sempre. Era Clarice,
mas poderia ser Isabela, Cristina, Marina, Luísa, Denise, ou qualquer outra
criação de sua imaginação fértil, carente de presença física e inundada de solidão. Restava-lhe o copo, a
garrafa, seus músculos tatuados, o time de coração e seu cão que ainda teimava
em acompanhá-lo. Por enquanto estava a salvo. Faltava-lhe apenas o que para ele
era um mero detalhe.
Eu gosto, sempre, de como você vai construindo a atmosfera da cena por meio da ação. Verbos em vez de adjetivos - isso dinamiza o texto.
ResponderExcluirVejo-me diante de uma cena e não diante de uma fotografia.
Muito bom.