Geralmente as cerimônias de abertura e
encerramento de grandes eventos como copa do mundo e olimpíadas são
cheias de representações estereotipadas de cultura, de nacionalismo
exacerbado e até mesmo demonstrações genuínas de amor ao esporte
e seus valores. E no decorrer das competições vemos histórias
de superação tanto nas vitórias quanto em derrotas. O roteiro não
varia tanto, mas ainda tem a capacidade de nos emocionar. Porém, a
imagem mais importante dos jogos não envolveu disputa por nenhuma
medalha. Quando subiu ao palco trazendo consigo o violão, vestido de
azul, mas não qualquer azul, mas o inconfundível Azul, com letra
maiúscula sim por se tratar da Portela, Paulo César Batista de
Faria da Viola fez muito mais do que cantar o hino nacional. Dois dos
símbolos sequestrados por usurpadores, vulgarizados e transformados
em armas de uma guerra covarde contra aqueles representados
justamente pela arte que consagrou a Paulinho da Viola e tantos
outros. Ao cantar o hino daquela forma tão elegante, sutil e
carinhosa, Paulinho nos acariciava como se estivéssemos deitados no
colo de um pai ou avô amoroso que sabe que nossos arroubos e
inquietudes são passageiras. Isso é coisa de quem já passou pelas
tormentas em alto mar, mas nunca se furtou a navegar. Estava ali o
nosso timoneiro. A bandeira subia timidamente, quase envergonhada,
assumindo uma culpa de Geni que claramente não é sua. Por pouco não
chega ao topo, pois as mãos fardadas que a conduziam pareciam também
estar em total descompasso com a falta de vigor, rigidez e marcação
marcial. Era uma música estranha para ouvidos duros, todavia
familiar aos tímpanos educados na síncopa e surdo de terceira. Os
símbolos de uma pátria foram retomados e devolvidos a quem lhes é
por direito, mesmo que por breves minutos, mas que sem a menor
dúvida, estarão eternizados para nós e para os olhos de todos que
pelo mundo afora assistiam a vitória da ginga sobre a ordem, do diálogo
sobre o silêncio forçado, da viola sobre o cacetete. Por uns breves
minutos fomos redimidos. Obrigado Paulinho da Portela, das Marias e
Joãos, do Azul e Branco, do Verde e Amarelo, da Viola, Cavaco,
Pandeiro e Tamborim, do Vasco da Gama, do Rio de Janeiro. Das
Umbandas, Candomblés e todas as fés. Obrigado Paulinho do Brasil.
Da vida e além
domingo, 7 de agosto de 2016
terça-feira, 22 de setembro de 2015
Vovó Quitéria
Salve minha vovó
Sua benção lhe peço
De olho no chão que piso onde vejo
seus pés
Anuviam meus olhos na fumaça do seu cachimbo
que me leva em pensamento aos tempos de
seus cantos
Cantos de dor, de luta e esperança
Cantos de cantar
Vem do teu berço o mundo que vejo
Vai ao seu encontro a prece que faço
Afasta de mim os que me querem mal
Me embala na sua dança e me guia
depois da curva
Aonde eu for serás levada na minha voz
E na hora que a luz findar, venha me
buscar
Pois de ti sou fruto
Por ti me faço presente
desde ontem e por quanto tempo o hoje durar.
domingo, 16 de agosto de 2015
Portela céu e chão
Okê Arô
Com sua licença preciso contar
O que dos meus olhos cheios d'água não
se pode apagar
O que os meus ouvidos ainda podem
escutar
O que minha pele se arrepia só de
lembrar
As pernas que sambaram ainda bambeam
Em espasmos sincopados regidos pela
sublime arte
E as vozes que o anunciam, afirmam
Que nunca será demais, que jamais é
tarde
Para reviver Candeia
Com o samba, que de tão nobre, se faz
de humilde e o homenageia
Na sua eterna casa, seu quintal e
terreiro
O ninho da águia, seu amor primeiro
Onde também chorou suas mágoas e
viveu sua dor
Mas sempre munido de fé, poesia e sua
cor
É daqueles que tanta falta nos faz, ao
passo que tão sagrada é a sua presença
Sentimentos expressos harmoniosamente
na mesma sentença
Percebidos por cada um dos convidados
de sua festa bela
Seus oitenta anos comemorados na
Portela
Uma noite que não sairá da memória
Dos que tiveram a honra e glória
De cantar à sua vida, à Portela. De
viver e contar a nossa História.
quarta-feira, 10 de junho de 2015
No Recital
Palavra na parede
ganha vida de paisagem
Se é lida é oferenda
Já que do prego não se espera muito
a não ser fingir-se de morto
Qualquer palavra vale
Mesmo as descharmosas
Há algumas que são ótimas para serem
cantadas
Como a Zabumba e o Bumbo
A Zabumba e o Bumbo dão música pura
da boa
Já o pronome só serve para recosto
Ontem dormiram no pronome
De tão cansados que ficaram
de cantar Zabumba e Bumbo
Agora é hora de lua seca
Dia de fazer parede feliz
Parede gosta de carinho
de afago doce de molhar de amor os
olhos da menina
Pode ser com estilo, batuque e papo
Ou pode ser com língua, unha e saliva
Quando a parede se cansa recosta no
pronome
Não precisa ser pronome belo
Mas que sirva de colo bom pra cafuné
Qual?
Longe de quem fala e de quem ouve
Mas qual?
De passado ou futuro distantes
Qual?
Aquele
Qual aquele?
aquele Aquele.
segunda-feira, 18 de maio de 2015
#libertemaspalavras#
#Compreiumafazenda#naotemvacanemboi#naotemcavaloalgum#sotempalavras#palavrasselvagens#porissomandeiprender#mandeifazercerquilha#prapalavranaofugir#aspalavrasficamdoceis#saodoceismasqueremserlivres#palavracercadamorreinfeliz#palavrainfeliznaopodeserdita#palavraquerserdita#tiremascercasdaspalavras#tiremascercasdaspalavras#vendominhafazendadepalavras#palavraapartirdeagoraseralivre#vivaapalavralivre#abaixoascercas#
e lá se vai a palavra...palavr...palav...pala...pala..pa...p... ...
domingo, 12 de abril de 2015
Procura-se arte. Paga-se nada.
Eles dizem sim
Sim, claro que sim
É isso que queremos
Sim, sim e sim
Os outros dizem não
Não é nada disso
Não queremos isso não
Não, não e não
Eles respondem não que nada
Os outros insistem
Não é não
Eles teimam
É sim, não o não.
Os outros retrucam
Não, não é sim
Não é não e não o sim
Nananinanão
Eles questionam como assim
não é sim?
Sim jamais é não e nunca
será
Os outros gritam não!
Eles sussurram sim.
Os outros berram não!
Eles se calam sim
Os outros não se calam
Eles batem panelas não
Os outros batem panelas sim
Odeiam em não
Vivem loucamente não
Os outros não pensam não
Não querem sim
Não sabem nada sim
Eles queriam sim
Mas dormem sim e
Os outros não passam não
Ainda não
Eles ainda vivem sim.
sábado, 21 de fevereiro de 2015
Que venha o Samba
Chegou ao fim o carnaval
Alegrias e dores cruzaram a avenida
Tão breve como um vendaval
Até o próximo levará mais de uma vida
Mas não hei de reclamar
Nem chorar por uma derrota fugaz
Agora recomeça a rotina de quem gosta do bom samba
Que hoje em dia quase não se mais faz
Pois quem gosta de samba
Dele nunca vai se cansar
Vai aonde ele nasce
Num terreiro ou num bar
O bom samba é a arte
Da mais pura vivência
Apesar de quem queira
Desdenhar de sua essência
E não há alegoria
Fantasia ou adereço
Que vença a força do samba
Dignidade não tem preço
Vem lá de Madureira
E vem lá de Osvaldo Cruz
Essa gente tão festeira
Com poesia que seduz
Perdoem a sinceridade
Mas não há coisa mais bela
Que um samba de verdade
Que brota no chão da Portela
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
Não Larguem Suas Fantasias
Há um silêncio no ar que de tão denso
corta-se com uma faca.
É a ansiedade que precede o
acontecimento preparado por muitas mãos, cabeças e corações e que mesmo os mais
experientes e esperançosos ainda não são capazes de fugir.
Não se pode saber quantos milhões de
olhos estarão voltados para aqueles setecentos metros de comprimento por onde
passarão os devaneios concretizados por artistas famosos que ganham vida nos
corpos anônimos em nome da celebração da alegria, da crítica marota e principalmente,
da arte de rir na cara da realidade imperiosamente dura.
Durante o ano que antecedeu este
momento, por várias vezes, acordado ou não, via a mim mesmo, como se estivesse
sobrevoando a avenida, fantasiado e em pleno estado de êxtase sambando e
vivendo o sonho de contribuir diretamente para a realização não de um sonho,
mas uma meta, que é ver a Portela após tantos anos sagrar-se novamente campeã
do maior carnaval do planeta.
Felizmente, eu não sonho sozinho. Milhares,
muitos milhares além daqueles que a escola pode comportar, sonham junto comigo.
Ainda houve um último suspiro de
esperança quando surgiu a possibilidade de substituir alguém que, de última
hora, viesse a desistir. Meu coração se tornou enorme para meu pequeno peito e várias
horas de sono foram dignamente sacrificadas com o sonho desperto no qual, mesmo
deitado em minha cama, sambava e cantava o samba malandro que rasgava seu curso
até a Apoteose.
Mas como posso substituir alguem que
desiste desse privilégio? Haverá alguém capaz de declinar de tal honraria? Na minha
modesta opinião, só quem estiver morto, e assim mesmo se for um morto não
Portelense, pois Clara, Candeia, Dodô, Caetano, Paulo, Rufino, Manacéa, Doca,
Natal e muitos outros cumprirão com sua obrigação e marcarão presença.
A Portela transbordou e ao
transbordar estendeu a avenida para as arquibancadas, frisas, camarotes, ruas, calçadas
e sofás. Todos, sem demagogias e exceções, serão fundamentais para a conquista
do bem maior.
Portanto, aos fantasiados, não ousem
desistir. Sambem como se fosse o último samba de suas vidas. Pintem a vida em
azul e branco e façam da avenida o rio que nunca deixará de passar em nossas
vidas, mentes e corações.
Salve a Portela!
domingo, 8 de fevereiro de 2015
Anatomia da Alma Portelense
Parece senso comum falar em uma
paixão e ter apenas o coração na condição de representante oficial e símbolo
único do arrebatamento humano. Contudo, urge a necessidade de que se faça
justiça aos menos louvados componentes corpóreos, que talvez devido à pouca
aptidão poética, são relegados a segundo plano, quando não esquecidos. Para o melhor
entendimento, tomarei como demonstrativo a descrição da formação do corpo e
alma de um Portelense, o que aparentemente não causaria, ou não deveria causar,
nenhum tipo de surpresa aos estudiosos da matéria, das ciências biológicas,
tampouco aos poetas que não ousam desafiar regras estabelecidas por quem nada
entende da capacidade que tem o amor de transcender os limites fixados pela
obsessão de uma verdade material.
Tudo começa no sono de uma gestante,
que ao adormecer recebe a visita de uma águia de luz, que por seu turno
gentilmente pousa sobre a barriga repleta de anseios e sonhos em forma de um
embrião, que nem sequer ainda fora notado por máquinas e emissores de ondas
sonoras. O pouso da águia de luz de tão leve e sutil acaricia e aquece o ventre,
transmitindo uma sensação inigualável de conforto e bem estar. Tais sensações
são fundamentais para o passo seguinte, pois os mais incautos podem vir a
sentir uma certa angústia com a descrição. É, contudo, importante que se diga
que tudo se passa num plano entre o corpo e a alma, exatamente onde os olhos
humanos ainda não foram capazes de alcançar, pois lá as emoções fazem morada.
Sentada sobre a barriga da gestante,
a águia de luz curva-se, como se fizesse uma reverência, e com a precisão
inigualável da ponta de seu bico toca a camada mais fina da pele do peito, no
ponto exato entre os seios, fazendo um corte vertical absolutamente indolor. O
procedimento se repete até que a última camada seja também rompida expondo
assim o órgão pulsante. A águia faz do coração seu banquete, saciando sua fome
e cumprindo seu ritual. Nenhuma artéria é tocada, nenhuma veia é rompida, pois
tudo deve ser preservado para que a transição seja bem sucedida.
A cavidade toráxica, por ora vazia,
transforma-se em ninho e ali a águia de luz deposita um ovo que irá chocar por
enquanto durar ainda o sono da gestante, que não corre qualquer risco de vida,
pois a ausência do coração é suprida por uma ligação provisória com o coração
da águia por meio de um fio condutor que faz com que o sangue ainda vermelho
continue circulando, irrigando cada milímetro do corpo adormecido.
Finalmente o ovo se quebra, nasce um
filhote um pouco desengonçado, mas não menos iluminado, que prontamente se
conecta às artérias e veias e que começa a bater as asas de forma a fazer com que o agora sangue azul,
vá aos poucos se misturando ao vermelho e à medida que vai sendo filtrado,
apenas o azul permanece. Completado o processo, formam-se rios de forte
correnteza e afluentes de sangue azul que banham cada célula do corpo com
dignidade, elegância, respeito e muito samba. O feto passa a ser alimentado via
cordão umbilical por todos estes nutrientes até que seu coração já esteja
também ao ponto de ser devorado pela águia que pulsa no peito da mãe e substituído
por sua própria águia de luz.
No cérebro
formam-se tempestades de relâmpagos e trovões que reverberam nos confins dos
membros e nas floras distintas, despertando a sanha guerreira e caçadora que
retorna ao coração, completando o ciclo incessante de retroalimentação.
A águia de
luz, ao certificar-se de que o funcionamento do novo corpo já é autônomo,
mastiga o corte, juntando os dois lados rasgados da pele e finaliza derramando
uma lágrima que além de eliminar quaisquer impurezas que possam querer se
aproveitar da oportunidade, também produz uma cicatrização tão perfeita que é
imperceptível a olho nu. A águia de luz alça seu vôo e vai em busca de outras
gestantes enquanto que aquele corpo ao despertar pela manhã nada sente, senão
uma pontada nostálgica e um desejo irresistível de poesia que só se sacia
quando se chega à Portela.
Quando enfim
o corpo fenece, como um ovo ele é rompido e a águia de luz que ali vivia se
liberta, buscando outras gestantes, continuando o ciclo da transformação em
algo maior. Transcendendo a morte. Semeando a vida.
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